domingo, 16 de janeiro de 2011

Muito axé em 2011, saudações artísticas!


            Mal acontece o Reveillon e as pessoas já estão sonhando com o carnaval, essa característica brasileira propôs várias inovações musicais ao longo dos anos. Lá pela década de 50, no grande propósito de se divertir em pleno carnaval na Bahia, Dodô e Osmar lançam a “Guitarra Baiana” para o mundo, com as caixas de som em cima de um “fobica” tocam um estranho frevo pernambucano na sua mais nova invenção. Esse primeiro “trio elétrico” rendeu pano pra manga, aliás rendeu inspiração pra muita gente. Quem conhece (e até quem só ouviu falar) Caetano Veloso, lembra da famosa música “...atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu...”. Depois, Moraes Moreira que cumpriu o papel de dar voz ao trio elétrico. Dizem que foi aí que surgiu o famigerado “axé music”, toda via há discordâncias que mais na frente vou abordar.
Os blocos de música afro surgiram neste contexto também, gerando um celeiro cultural riquíssimo nessa época, em que se estabelecia a mistura de vários ritmos africanos, por exemplo, o ijexá, brasileiros como o maracatu e o samba (os instrumentos eram os das escolas de samba do Rio) e caribenhos como o merengue. De pano de fundo, a resistência negra se expande dentro dessa forma de organização cultural registrando o cotidiano através dos seus tambores e letras fortes que valorizavam seus orixás. Assim nasce o Olodum, grupo que também enveredou para outros campos artísticos como o teatro. Essa mistura toda nasce com parentescos internacionais, numa ligação direta com a África, expandindo-se para influências latino-americanas.
            O que mudou de lá pra cá? Muita coisa. Tudo começa com o surgimento do termo “axé music”, que na verdade é o nome da proposta industrial que limita a produção cultural, desvinculando-se cada vez mais do propósito inicial dessa mistura de ritmos. Dodô e Osmar, Moraes Moreira, Timbalada, Olodum e até mesmo os que pegaram carona nesse embalo, como o Chiclete com Banana, retratavam amores carnavalescos os quais a sensualidade se traduzia através dos ritmos, pois essa é uma característica tipicamente baiana. Eles não precisavam de frases como “tira o pé do chão” ou “levanta a mão”, pois simplesmente o ritmo falava por si só e provocava nas pessoas um frenesi que não se consegue ficar parado. Contudo, essa música tão popular da Bahia ganhou o mundo e não é todo mundo que consegue ter o gingado baiano, então se padronizou a dança, acirrou-se a sensualidade, simplificou-se as letras e aí então nascia o “axé music”, dando lucros enormes para indústria cultural. Hoje o Chiclete com Banana tem músicas com letras cada vez mais resumidas, e capitularam totalmente a essa apelação. A deselegância foi total, de modo a extirpar a sensualidade do ritmo para abrir alas à banalização do sexo. Pra se ter uma idéia, na década de 90 o vocalista do Timbalada era um cara franzino de presença de palco admirável, hoje é um garanhão bombado de voz questionável.  Os resquícios que sobraram da resistência cultural negra sobrevivem dos turistas que entendem isso como mais um ponto turístico de Salvador e que visitam ONG’s para comprar um mero rótulo e voltar para suas casas um tanto mais “sensuais e não preconceituosos”.
Precisamos de mais revoluções de carnaval, não da próxima música da Ivete Sangalo, que por sinal é uma ótima cantora, um rouxinol, que é obrigada a arrulhar como um pombo pra lançar seus enlatados. Mas algo me diz que os tambores ainda não se calaram por completo e desde de já estamos de olho nas inovações deveras artísticas do universo cultural baiano.

Abaixo segue um dos últimos clipes do Timbalada para relembrar os velhos tempos...

Será que Lady Gaga é o melhor que esta geração já produziu?

Parece que não...




quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Por que você faz cinema?

            Cinema é uma forma de arte recente, criada nos fins do século XIX, que basicamente possibilita projetar imagens em movimento. Assim, o cinema sempre foi dependente de uma tecnologia mais avançada para existir. Porém, o que assistimos hoje em grande escala é muito mais a melhoria da tecnologia ligada ao audiovisual, do que propriamente um avanço na arte de fazer cinema. Hollywood vem produzindo de forma massificada os filmes que tem como mérito os seus fabulosos efeitos especiais. Esquecem que necessitam de roteiros interessantes, de personagens bem acabados e cenas bem dirigidas.

            É óbvio que a grande parte da população é atraída pelos filmes hollywoodiamos devido à mega produções e enorme investimento em propaganda, fazendo a lavagem cerebral antes mesmo de apresentar o produto. Mas o maior problema gerado por este tipo de cinema é que desenvolve um desejo em buscar lazer que fuja completamente à realidade. Não se trata mais da vida real, das dores humanas e das questões que são ao mesmo tempo subjetivas e coletivas. Este cinema massificado de hoje, fala do herói (um indivíduo) que vai salvar toda uma sociedade, banaliza as relações amorosas em comédias românticas bobas, faz as pessoas rirem com piadas preconceituosas ou qualquer coisa estúpida, apresenta um terror que mais parece comédia, pois não tem nada a ver com os nossos medos mais íntimos, enfim não há nada que nos complemente.

Mas talvez este cinema serve pra algo sim, como minha amiga diz, este tipo de filme serve para “colocarmos o cérebro no copo”. Ou seja, é a produção de um momento vazio, que não é preciso pensar, refletir sobre si e sobre o mundo, é a alienação que se expande para além do trabalho e atinge os momentos de lazer. E assim, o capitalismo vai produzindo seus indivíduos acríticos, cultivadores de sentimentos rasos e paralisados na espera de que talvez apareça um super herói para salvá-los.

Porém, temos na história do cinema demonstrações do que de fato esta arte pode produzir para os seres humanos. Nós temos Fellini que retratou de forma belíssima as lembranças, os desejos, as fantasias, os momentos fatídicos da vida. Já Bergman praticamente fez estudos de caso sobre questões existenciais como a fé, a vida, a morte e a solidão. No Brasil, temos Glauber Rocha que fez duras críticas sociais, conseguindo deixar seus espectadores em um verdadeiro transe. Para salvar os filmes de comédia, temos o vivíssimo Woody Allen, que nos faz rir falando de coisas sérias da vida. Em fim, felizmente diante de toda a tragédia que se tornou o cinema, ainda há um bom número de diretores que trata com respeito e desenvolve esta arte.

Estes filmes são estranhos aos olhos acostumados com as produções hollywodianas, pois não há grandes explosões e outros tipos de efeitos especiais. As cenas são mais lentas, há mais diálogos ou momentos de silêncio, pois a vida é feita destas coisas. Para aproveitar estes filmes, não basta ver, tem também que sentir, identificar-se e refletir. É quase como se fosse possível experimentar algo que poderíamos ou não viver. É de certa forma, ganhar uma experiência, uma vivência e não dá pra isso acontecer sem uma “câmara mais lenta”, que mostre e possibilite a interpretação dos detalhes da vida.

Enfim, alertamos que existe um outro tipo de cinema, o qual não é tão divulgado e assistido. Propomos que todos e todas possam fazer esta experiência. Divulgamos uma lista de bons filmes que estão dentro dos critérios estabelecidos aqui. Aproveitem!

Sugestões de Filmes


Drama
  • 8 ½  - Federico Fellini
  • La Dolce vita - Federico Fellini
  • Le Notti di Cabiria  - Federico Fellini
  • Fanny e Alexander - Ingmar Bergman
  • Morangos Silvestres -  Ingmar Bergman
  • O Sétimo Selo - Ingmar Bergman
  • Persona - Ingmar Bergman
  • Gritos e Sussurros - Ingmar Bergman
  • O ovo da serpente - Ingmar Bergman
  • Cenas de um Casamento - Ingmar Bergman
  • O Silêncio - Ingmar Bergman
  • Luz de Inverno - Ingmar Bergman
  • Através de um Espelho - Ingmar Bergman
  • Sonata de Outono ­- Ingmar Bergman
  • O Conformista - Bernardo Bertolucci
  • Os Sonhadores - Bernardo Bertolucci
  • O Pianista - Roman Polanski
  • Lua de Fel - Roman Polanski
  • Fale com Ela - Pedro Almodóvar
  • Carne Trêmula - Pedro Almodóvar
  • Volver - Pedro Almodóvar
  • Má Educação - Pedro Almodóvar
  • Ata-me - Pedro Almodóvar
  • Amor à Flor da Pele -Wong Kar-Wai
  • 2046 - Wong Kar-Wai
  • Anjos Caídos - Wong Kar-Wai
  • Gosto de Cereja - Abbas Kiarostami
  • Dez - Abbas Kiarostami
  • O Balão Branco - Jafar Panahi
  • A Maçã - Samira Makhmalbaf
  • Às Cinco Horas da Tarde - Samira Makhmalbaf
  • Machuca - A Improvável Amizade De Duas Crianças Em Tempos De Ditatura
  • Ladrões de Bicicletas - Vittorio De Sica
  • Cinema Paradiso - Giuseppe Tornatore
  • A Professora de Piano - Michael Haneke
  • Asas do Desejo - Wim Wenders
  • Paris, Texas - Wim Wenders
  • Em Busca da Vida - Jia Zhang Ke
  • Grande Hotel - Edmund Goulding
  • Crepúsculo dos Deuses - Billy Wilder
  • Billy Elliot - Stephen Daldry
  • O Leitor - Stephen Daldry
  • Dogville - Stephen Daldry
  • Uma Mulher para Dois - François Truffaut
  • Os Incompreendidos - François Truffaut
  • Beijos Proibidos - François Truffaut
  • Fahrenheit 451 - François Truffaut
  • O Encouraçado Potekim - Sergei Eisenstein
  • A Greve - Sergei Eisenstein
  • A Mãe - Vsevolod Pudovkin
  • Frida - Julie Taymor
  • O Corte  - Costa-Gavras
  • Paixões impossíveis - Xavier Dolan



Romance

  • O Último Tango em Paris - Bernardo Bertolucci
  • Beleza Roubada - Bernardo Bertolucci
  • Match Point - Ponto Final - Woody Allen
  • Vicky Cristina Barcelona - Woody Allen
  • O Segredo dos Seus Olhos - Juan José Campanella


Terror
  • Psicose - Alfred Hitchcock

Suspense
  • Pacto Sinistro - Alfred Hitchcock
  • Cachê - Michael Haneke

Nacional
  • Deus e o Diabo na Terra do Sol – Glauber Rocha
  • Terra em Transe – Glauber Rocha
  • Central do Brasil - Walter Salles
  • Abril Despedaçado - Walter Salles
  • Linha de Passe - Walter Salles

Comédia
  • Noivo Neurótico, Noiva Nervosa -Woody Allen
  • A Rosa Púrpura do Cairo - Woody Allen
  • Tudo Pode Dar Certo - Woody Allen
  • Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos - Pedro Almodóvar
  • O Filho da Noiva - Juan José Campanella
  • Ontem, Hoje e Amanhã - Vittorio De Sica
  • Tempos Modernos – Charles Chaplin
  • O Grande Ditador - Charles Chaplin
  • O Garoto - Charles Chaplin
  • Você é Tão Bonito - Isabelel Mergault
  • Whisky - Juan Pablo Rebella / Pablo Stoll

Documentário
·        Buena Vista Social Club - Wim Wenders
·        Santiago - João Moreira Salles
·        Jogo de Cena - Eduardo Coutinho 


Ação
  • Pulp Fiction - Quentin Tarantino
  • Á Prova de Morte - Quentin Tarantino
  • Sin City -  Quentin Tarantino


Musicais
  • Across the Universe
  • Dançando no Escuro
  • Dançando na Chuva
  • Grease - Nos Tempos da Brilhantina
  • Hair!
  • O Mágico de Oz
  • Os Embalos de Sábado à Noite
  • O Fantasma da Ópera
  • A Noviça Rebelde

Por que você faz cinema?


Albúm: A Fábrica do Poema
Adriana Calcanhotto  
POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?
Joaquim Pedro de Andrade/Adriana Calcanhoto

Em junho deste ano caiu na minha mão o catálogo da mostra “JOAQUIM PEDRO DE ANDRADE” do Centro Cultural Banco do Brasil, onde li, pela primeira vez, a famosa resposta dele à pergunta do LIBÉRATION: “POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?” Fiquei impressionada com o que ele diz e, mais ainda, com a sonoridade geral, com o ritmo daquelas palavras. De forma razoavelmente incomum para mim, musiquei-o na mesma hora. A “canção” abriu então uma espécie de trilha que passei a perseguir no disco todo. Faltavam alguns dias para o início da gravação e eu coloquei no lixo o repertório que já havia definido e comecei tudo de novo.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Manifesto Saudosista


      Somos pessoas comuns, contudo preocupadas com a contemporaneidade artística. Preenchidas de saudade, inclusive das coisas que não vivemos, damos início a este espaço de discussão. Não vivemos nenhuma revolução da música, cinema, artes plásticas, teatro, mas carecemos de todas elas no sentido de que nossa vida é curta, a sociedade é um amontoado de consumo e sem espaço para valorização do que é humano e belo. Por falar em amontoado de “enlatados artísticos”, hoje vemos aberrações produzidas pela indústria cultural, as quais viraram subitamente referências para essa geração. Defendemos o oposto disto, formas artísticas para além da indústria cultural e espaços em que a produção da arte seja acessível a todas e todos. Isso não significa que defendemos um modo de arte intelectualizada e restrita aos muros das academias, defendemos uma arte totalmente livre. Estamos dispostas a ir até as últimas conseqüências para investigar o que possibilitou essa derrota da arte e reivindicar o que realmente é considerável de qualidade. A arte pra ser livre e deveras de qualidade precisa surgir do cotidiano das pessoas, seus anseios, suas paixões, suas experiências e sua visão de mundo em um determinado tempo, na contra mão da alienação, promovendo um contato mais radical consigo e com o mundo. Confessamos que ainda há dúvidas a cerca da arte nos dias de hoje, mas vamos amadurecer a idéia de defender que ela existe e assim iremos valorizar o que já foi produzido de bom.