Mal acontece o Reveillon e as pessoas já estão sonhando com o carnaval, essa característica brasileira propôs várias inovações musicais ao longo dos anos. Lá pela década de 50, no grande propósito de se divertir em pleno carnaval na Bahia, Dodô e Osmar lançam a “Guitarra Baiana” para o mundo, com as caixas de som em cima de um “fobica” tocam um estranho frevo pernambucano na sua mais nova invenção. Esse primeiro “trio elétrico” rendeu pano pra manga, aliás rendeu inspiração pra muita gente. Quem conhece (e até quem só ouviu falar) Caetano Veloso, lembra da famosa música “...atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu...”. Depois, Moraes Moreira que cumpriu o papel de dar voz ao trio elétrico. Dizem que foi aí que surgiu o famigerado “axé music”, toda via há discordâncias que mais na frente vou abordar.
Os blocos de música afro surgiram neste contexto também, gerando um celeiro cultural riquíssimo nessa época, em que se estabelecia a mistura de vários ritmos africanos, por exemplo, o ijexá, brasileiros como o maracatu e o samba (os instrumentos eram os das escolas de samba do Rio) e caribenhos como o merengue. De pano de fundo, a resistência negra se expande dentro dessa forma de organização cultural registrando o cotidiano através dos seus tambores e letras fortes que valorizavam seus orixás. Assim nasce o Olodum, grupo que também enveredou para outros campos artísticos como o teatro. Essa mistura toda nasce com parentescos internacionais, numa ligação direta com a África, expandindo-se para influências latino-americanas.
O que mudou de lá pra cá? Muita coisa. Tudo começa com o surgimento do termo “axé music”, que na verdade é o nome da proposta industrial que limita a produção cultural, desvinculando-se cada vez mais do propósito inicial dessa mistura de ritmos. Dodô e Osmar, Moraes Moreira, Timbalada, Olodum e até mesmo os que pegaram carona nesse embalo, como o Chiclete com Banana, retratavam amores carnavalescos os quais a sensualidade se traduzia através dos ritmos, pois essa é uma característica tipicamente baiana. Eles não precisavam de frases como “tira o pé do chão” ou “levanta a mão”, pois simplesmente o ritmo falava por si só e provocava nas pessoas um frenesi que não se consegue ficar parado. Contudo, essa música tão popular da Bahia ganhou o mundo e não é todo mundo que consegue ter o gingado baiano, então se padronizou a dança, acirrou-se a sensualidade, simplificou-se as letras e aí então nascia o “axé music”, dando lucros enormes para indústria cultural. Hoje o Chiclete com Banana tem músicas com letras cada vez mais resumidas, e capitularam totalmente a essa apelação. A deselegância foi total, de modo a extirpar a sensualidade do ritmo para abrir alas à banalização do sexo. Pra se ter uma idéia, na década de 90 o vocalista do Timbalada era um cara franzino de presença de palco admirável, hoje é um garanhão bombado de voz questionável. Os resquícios que sobraram da resistência cultural negra sobrevivem dos turistas que entendem isso como mais um ponto turístico de Salvador e que visitam ONG’s para comprar um mero rótulo e voltar para suas casas um tanto mais “sensuais e não preconceituosos”.
Precisamos de mais revoluções de carnaval, não da próxima música da Ivete Sangalo, que por sinal é uma ótima cantora, um rouxinol, que é obrigada a arrulhar como um pombo pra lançar seus enlatados. Mas algo me diz que os tambores ainda não se calaram por completo e desde de já estamos de olho nas inovações deveras artísticas do universo cultural baiano.